domingo, 3 de outubro de 2010

Drama, cena ou qualquer coisa...

Retomo aqui um registro feito  no blog Cena Diária, visto que o assunto deve ser discutido de maneira ampla por aqueles que se interessam pelo drama e pela cena, em fim pelo teatro que se organiza no presente. No Festival de Teatro de São José do Rio Preto (São Paulo) realizado em junho, o canadense Denis Marleau, da Cia UBU Théâtre apresentou sua versão de Os Cegos, do simbolista Maurice Maeterlinck. Consistia o trabalho na projeção em 3D da referida peça. Projetada em uma sala escura, a experiência de Marleau pode ser apreciada como uma instalação, acontecimento que se pode absorver como uma vídeografia que se utiliza das técnicas cinematográficas, ampliando sob o fundo negro (conforme a reportagem publicada em a Folha de S. Paulo, 24.06.2010), o rosto de dois atores interpretando os personagens criados por Maeterlinck. O texto trata de doze cegos perdidos na floresta de uma ilha. Sem o guia, descobrem em seguida que ele está morto.
Diante da proposta, pergunta-se: é teatro? Para Denis Marleau, o que se vê na sala escura é teatro. A afirmativa categórica põe por terra a tradição e tenta nos dizer que para ser teatro não há mais necessidade da presença viva do ator, sem outra mediação, comunicando-se com o espectador. O fato de a projeção estabelecer um elo comunicativo com os espectadores da experiência não avaliza  dizer que ela é um ato teatral. Nem mesmo a afirmativa de Marleau de que o ator não estando em cena, sua ausência instala a questão de sua presença, pode confirmar seu trabalho como teatral. Ao colocar em xeque a ideia, simples e ao mesmo tempo grandiosa, de que teatro é a relação que se dá entre o ator e o espectador, coloca-se tudo numa baciada. Quando uma coisa pode ser tudo, termina por não ser nada.
Nas primeiras décadas do século 20 reverberam experiências e teorias sobre o teatro, muitas delas disseminadas desde as últimas décadas do século anterior, que fazem avançar/renovar a linguagem da cena. No entanto, é preciso atentar para o fato de muita coisa nos chega como modismo. São tentativas de criar um ambiente que denuncia o esgotamento da atividade teatral. Penso que o esgotamento é do artista, muito mais que efervescente criatividade. Tal afirmativa não desmerece o muito que se faz pela renovação da cena, mas teatro é teatro, com tudo que ele tem de histórico e inserido no seu tempo. Por esse motivo se mantém vivo ainda que sua morte se decrete a cada dia.
A inteligência e a sagacidade dos criadores do ato teatral nos mostram quanto essa arte consegue criar impacto em nós, mas misturar alhos com bugalhos só faz confundir mais e mais o público, mesmo aquele aberto aos experimentos. Se tomarmos como exemplo recentes encenações dos diretores brasileiros, pra ficar apenas no nosso quintal, ver-se-á uma infinidade de propostas estéticas. Umas afirmam a dramaturgia, outras negam-lhe o seu status; exploram-se os espaços e a encenação já não se confina ao palco italiano, o que não impede que espetáculo inovadores se dêem no seu interior. Capturam-se as novas tecnologias a serviço de uma ideia. Abrem-se as perspectivas para a cena. No entanto, a presença viva do ator é que dá charme ao espetáculo. É ela que nos tira da passividade mental e emocional.
Peter Brook abre seu livro O Teatro e Seu Espaço (1970) com a seguinte frase: “Posso escolher qualquer espaço e considerá-lo um palco nu. Um homem atravessa este espaço enquanto outro o observa”. Aí está a ”magia”. Seria mais honesto da parte de Marleau dar outro nome à sua experiência.  

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