Em cartaz no Sesc Pompéia, até final de fevereiro e com ingressos esgotados, O Idiota de Fiódor Dostoiévski, roteiro adaptado pelo ator Aury Porto, tendo como colaboradores Vadim Nikitin, Luah Guimarãez e Cibele Forjaz, esta última responsável pela inventiva encenação que ocupa O Galpão, espaço da Fábrica, o belo projeto de Lina Bardi.
Participam do elenco Aury Porto (Príncipe Míchkin), Fredy Allan (Kólia), Luah Guimarãez (Nastássia Filípovana), Lúcia Romano (Aglaia), Luís Mármora (General Ívolgun e Tôtski), Sergio Siviero (Ragôjan), Sílvio Restiffe (Gánia), Sylvia Prado (Lisavieta Iepántchina), Vanderlei Bernardino (Lhêbediev) e Otávio Ortega (Músico), atores reunidos de diversos grupos de teatro. Eles se encarregam dos personagens principais e de outros que a ação exige, fato que demonstra a versatilidade do elenco muito bem conduzido por Forjaz.
O Idiota conta o retorno de Míchkin a São Petersburgo após estadia na Suíça, onde foi se tratar de epilepsia. Seu objetivo, ao retornar, é de se encontrar com Lisavieta, uma parenta distante. No trem Petersburgo-Varsóvia, Míchkin, o príncipe empobrecido, conhece Ragôjan, o novo-rico por herança, apaixonado por Nastácia, mulher fatal, afilhada e amante de Tôtski. As atitudes do príncipe, suas palavras e a aura de santidade que emana dele fascinam Ragôjan. Míchkin será atraído por Nastácia, mas logo se enamora de Aglaia, filha de Lisavieta. Forma-se então um triângulo, tensionado pela presença de Ragôjan. Para além de um enredo amoroso, O Idiota aprofunda-se na alma humana e expõe a intensa compaixão do príncipe, não somente pelos personagens que cruzam a sua vida, mas pela humanidade. Aí reside a sua falha trágica.
O espetáculo é mostrado em três partes. Inicialmente assiste-se a primeira parte em uma noite, com aproximadamente duas horas e meia, na segunda noite vai à cena a segunda e terceira parte com duração de três horas e dez minutos. Em um dia da semana o espetáculo é mostrado na íntegra. A primeira parte é composta de sete capítulos. Os capítulos de oito a doze compõem as duas partes finais. Nomeado por sua diretora de “rito teatral explícito”, o espectador é lançado para dentro da novela de Dostoiévski, sob os achados estéticos de Forjaz. E, assim, passa a acompanhar a história folhetinesca, toma conhecimento da subjetividade dos personagens pelas “fendas” introduzidas pela encenadora no fluxo da ação. Ao destacar com luz tais momentos, a encenadora enfatiza os movimentos do ator-personagem e revela a interioridade de cada personagem: suas lembranças, seus delírios e digressões. Tais fendas, recortes quase expressionistas, explodem em diversos momentos do espetáculo. Para aproximar mais ainda o espectador do jogo teatral, Forjaz torna-o participante da ação. Construído após longo processo de trabalho, e tendo como premissa a “obra aberta”, Forjaz atinge ao que se propõe e faz com que os conteúdos se aprofundem, tornando-se o espectador cúmplice da obra. Conforme o texto do programa, o processo de criação se deu com ensaios abertos e viagens pelo interior de São Paulo, com apresentações nas unidades do Sesc. O espetáculo estreou em meados de 2010.
O espetáculo é mostrado em três partes. Inicialmente assiste-se a primeira parte em uma noite, com aproximadamente duas horas e meia, na segunda noite vai à cena a segunda e terceira parte com duração de três horas e dez minutos. Em um dia da semana o espetáculo é mostrado na íntegra. A primeira parte é composta de sete capítulos. Os capítulos de oito a doze compõem as duas partes finais. Nomeado por sua diretora de “rito teatral explícito”, o espectador é lançado para dentro da novela de Dostoiévski, sob os achados estéticos de Forjaz. E, assim, passa a acompanhar a história folhetinesca, toma conhecimento da subjetividade dos personagens pelas “fendas” introduzidas pela encenadora no fluxo da ação. Ao destacar com luz tais momentos, a encenadora enfatiza os movimentos do ator-personagem e revela a interioridade de cada personagem: suas lembranças, seus delírios e digressões. Tais fendas, recortes quase expressionistas, explodem em diversos momentos do espetáculo. Para aproximar mais ainda o espectador do jogo teatral, Forjaz torna-o participante da ação. Construído após longo processo de trabalho, e tendo como premissa a “obra aberta”, Forjaz atinge ao que se propõe e faz com que os conteúdos se aprofundem, tornando-se o espectador cúmplice da obra. Conforme o texto do programa, o processo de criação se deu com ensaios abertos e viagens pelo interior de São Paulo, com apresentações nas unidades do Sesc. O espetáculo estreou em meados de 2010.
Parte do périplo pelas unidades do Sesc é descrito no texto Impressões de Viagem, quando se dá o relato dos ensaios em Araraquara. Em outro texto, O Nosso Mundo Idiota, a atriz Luah Guimarãez descreve o nascedouro da montagem de O Idiota e nos informa que a Mundana Companhia, ao ser contemplada pelo Programa Municipal de Fomento ao Teatro para a Cidade de São Paulo (2008), mergulhou fundo na novela para gerar dramaturgia. Para tanto, realizaram leitura e estudos públicos, elaboração do primeiro roteiro, seguido de experimentações cênicas abertas ao público.
Todo empenho da Companhia é visível em cena, visto que a empreitada arriscada, colocar no palco a novela, chega ao final com bastante eficácia cênica. Pode-se discutir ou até negar as opções dos adaptadores e da encenadora, mas o fato é que a encenação capta o interesse do espectador de maneira positiva. A dramaturgia não absorve todo o conteúdo da novela, mas dá conta dos principais episódios e dos conflitos instaurados pelo escritor russo. Acentuando o caráter folhetinesco sem cair no telenovelesco, a dramaturgia absorve e expõe a dimensão do espírito dostoieviskiano, afastando a encenação do pueril e do adocicado, que por vezes permeia relações afetivas. A densidade atormentada de personagens em busca da redenção se espraia por cada capítulo de maneira polifônica, e o essencial da obra anima a cena. Ainda que inserida no contexto da escritura cênica contemporânea, a fábula não é descartada em nome de exercícios cuja teatralidade se sobrepõe ao texto. Vê-se hibridismo na cena, na construção da dramaturgia, nos recursos do encenador e nas interpretações, procedimentos que não anulam o texto dramático, sua inteligibilidade. Há simbiose entre texto e teatralidade. A polifonia carnavalizante imprimida por Forjaz, um coro de vozes e ideias expressando instantes de intensa dramaticidade pontuada por laivos de comicidade, não diluem o drama, mas reforçam as tensões contidas no mundo dostoieviskiano. Cibele Forjaz aproxima a obra do espectador injetando em seu interior ingredientes da cultura brasileira sem perder a densidade do material original.
Em um espaço distante do palco italiano, Forjaz e Laura Vinci (responsável pela cenografia) criam diversos ambientes que se organizam durante a representação. O espaço oferece mobilidade e a própria estrutura do espetáculo possibilita as diversas mutações, sem que se façam interrupções ao longo da ação, proporcionando deslocamentos dos atores e do público pelos diversos lugares, tanto fora quanto dentro do Galpão. A utilização do espaço é inventiva e a encenadora demonstra habilidade no seu uso. Inicialmente estamos no trem, somos passageiros tais quais os personagens e daí passamos por muitos lugares interiores e exteriores num deslocamento constante. O figurino, sem o rigor figurativo, não descamba para modelos atualizados e se adéquam ao perfil dos personagens e da época em que se passa O Idiota, a Rússia czarista. O figurino capta a essência dos personagens. A iluminação de Alessandra Domingues é precisa e de muitos recursos. Seus efeitos adequados criam a atmosfera desejavel para a dramaturgia cênica.
Do ponto de vista das interpretações, o tom por vezes exagerado causa estranheza, mas à medida que as cenas se desdobram, tais artifícios se coadunam com o todo da encenação. Há equilíbrio entre os atores, com o elenco feminino em vantagem. A personalidade de Aglaia, interpretada por Lúcia Romano de maneira clara, cativa o espectador, da mesma maneira que a Lisavieta Iepántchina, de Sylvia Prado. Do trio principal responsável por Míchkin (Aury Porto), Nastássia (Luah Guimarãez) e Ragôjan (Sergio Siviero), o primeiro desenha somente um lado do personagem, dando-lhe um ar simplório. Para expressar a bondade, a grandeza e nobreza do Príncipe, cabiam nuances que a interpretação de Aury Porto não alcança, mantendo-a sempre no mesmo diapasão. Ainda assim, seu trabalho se mantém firme e seguro ao longo do espetáculo. O Ragôjan de Sergio Siviero é intenso, frenético; o ator imprime certa grossura ao personagem, enfatizando a sua arrogância. Luah Guimarães imprime nuances a Nastássia, mostrando-a por vezes infantil, por vezes mulher madura, ciente de suas qualidades, e que, tomada de paixão, fragiliza-se diante do conflito instaurado. Silvio Restiffe responde bem ao interpretar o medíocre Gánia, atormentado pela ganância. Luís Mármora imprime traço caricato ao General Ívolguin, arrancando risos da platéia, mas deixa de explorar com profundidade o grotesco do personagem. Sai-se melhor na interpretação de Tôtski. Freddy Allan não compromete, e seu Kólia é cativante. Vanderlei Bernardino injeta energia vital e teatral no Lhêbediev. O músico Otávio Ortega encarrega-se dos diversos instrumentos e de pequenos personagens. Chamou-me a atenção suas reações no capítulo-cena 3, A Casa do Pai.
Sobre o espetáculo como um todo, são visíveis os resultados alcançados na primeira e na terceira parte. A segunda se alonga, o que torna a sessão mais cansativa. Tal observação não diminui as inúmeras qualidades estéticas da encenação, tampouco nos fez desistir de sua longa duração acrescida do desconforto das cadeiras. O Idiota, conforme a proposta da Mundana Companhia, realiza-se plenamente e demonstra a vitalidade da cena alternativa paulistana. Ao vê-la como alternativa, não se assegura pobreza de produção, ao contrário. Para colocar em cena um empreendimento artístico de tal natureza, são necessários investimentos de grande monta, não só pelo material que dá corpo à cena, mas, sobretudo, pelo número de atores e técnicos envolvidos.
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